terça-feira, 4 de agosto de 2009

Uma noite sangrenta (Capítulo 1)

Entrei na enorme veraneio cinza com o auxílio de um dos policiais. Ao meu lado, no banco frio daquele antigo carro da polícia militar, sentou-se a garota que vinha me ajudando desde o momento em que me ergueram do chão e me levaram para ser socorrido dentro do Julio Mesquita, o colégio público da região diante do qual tudo acontecera. Ela estava nervosa. Esfregava as mãos uma contra a outra sem parar. Mesmo assim, tentava me acalmar com frases de apoio e mantinha um olhar preocupado e sincero sobre mim.

Eu a havia visto pela primeira vez alguns minutos antes de tudo acontecer, conversando, ou melhor, sendo xavecada pelo Zique. Tratava-se de uma garota baixa com longos cabelos castanhos e pele morena. Não sei dizer se era bonita, o que sei é que a atitude dela naquela noite a tornou maravilhosa diante dos meus olhos. Ela havia insistido com os policiais para poder me acompanhar. Chegara até a mentir para conseguir convencê-los. Com uma tremenda cara-de-pau, dissera que éramos amigos fazia muito tempo.

No entanto, apesar de me sentir agradecido e admirado com a atitude daquela adorável estranha, um sentimento de abandono tomava conta de mim. Muitos amigos e conhecidos haviam presenciado tudo, mas apenas dois deles, o Zique e a Taciana, tinham de alguma maneira me ajudado. O Zique estivera entre as pessoas que me levantaram e socorreram, enquanto a Taciana prometera avisar os meus pais sobre os acontecimentos daquele início de noite. Mas onde estavam os outros? E a Carol onde estava? Ah! Carol. A última vez que a vira fora durante a confusão, só de relance. Não me saía da cabeça a visão de seu rostinho assustado, lindo como sempre, perdido no meio da multidão.

Pelo canto do olho, observei a solidária desconhecida sentada ao meu lado e desejei que fosse a Carolina. Infelizmente, não era. E pensar que poucos minutos antes eu estava batendo um animado papo com a Carol, cheio de esperança e torcendo para que ela esquecesse o Nique - um amigo nosso por quem ela andava meio caidinha -, quando um bando de trogloditas desprovidos de massa encefálica surgiu brandindo ameaçadoramente porretes e tacos de beisebol para acabar com tudo. Sentia-me humilhado e deprimido. Era horrível pensar que a garota de quem eu gostava havia acompanhado tudo. Pior ainda era não ter visto a cara dela entre as pessoas que me socorreram. Torci para que ao menos estivesse preocupada comigo naquele momento.

Mal me ajeitara no interior do carro, quando o policial que havia me ajudado sentou-se ao lado do motorista, que naquele preciso instante terminava de dar a partida no motor. Após bater com força a porta, o militar disse ao parceiro que estava ao volante: - Toca para o Iguatemi, aquele hospital na Francisco Morato. - Em seguida, virou-se para mim e falou com uma voz surpreendentemente calma: - Se segura aí, que isso aqui vai pulando.

Saímos em alta velocidade. Sem vacilar, segui o conselho do policial. Segurei-me do jeito que podia para aliviar o sacolejo do carro durante o percurso. Entretanto, só pude usar a mão esquerda para me segurar, o que não adiantava muita coisa. Eu a mantinha firme sobre a parte detrás do banco do motorista. Enquanto isso, usava a mão direita para apoiar a camiseta ensanguentada que conservava em minha cabeça, tentando conter o sangue que ainda não cessara de sair dos cortes sofridos com as pancadas.

Tudo que ocorrera naquele início de noite me parecia tremendamente injusto. Existiam tantos caras mais folgados no mundo! Mesmo dentro da minha turma havia caras bem mais encrenqueiros. Por que tinha que ter sobrado justamente para mim? Simples, porque fui o mais trouxa do grupo. Como pude demorar tanto para correr se era evidente o que estava para acontecer? Droga, como fui trouxa! Deveria ter feito como todos que estavam na mesma situação. Devia ter corrido logo que eles apareceram e, sem esperar qualquer conversa, um deles acertou um tremendo soco no olho do Denis. Não, eu não queria enfrentá-los. Aquela não era a hora adequada para dar uma de corajoso. Apenas acreditei no velho ditado: “Quem não deve, não teme”. Quanta ingenuidade! Quando dei por mim, estava encolhido ao lado de uma parede de cimento chamuscado com os braços servindo de escudo para proteger minha cabeça dos incessantes pontapés desferidos contra ela e responsáveis por um considerável estrago. Isso sem contar os socos e pauladas que recebera antes de cair.

Eu não conseguia compreender como aqueles caras, cujos rostos nunca havia visto antes, podiam me odiar tanto. Na face de cada um deles transparecia uma enorme raiva. Pareciam dispostos a matar. Mas qual seria o motivo para tudo aquilo? Naquele momento, sacolejando dentro de um carro de polícia com os pensamentos a mil por hora, tudo parecia exagerado demais, desproporcional. Não conseguia entender como as pessoas podiam odiar por algo tão banal. O que as ofendia tanto? Eram minhas roupas, o meu penteado, as músicas que ouvia? Não sei. Só sei que tudo aquilo me parecia ilógico, demasiadamente estúpido para ser verdade.

Um terror incrível tomava conta de mim. A cada instante, tinha a impressão de que aqueles imbecis iriam reaparecer. Vindos do nada, continuariam a me quebrar com pauladas e chutes mais que covardes. Meus braços e pernas tremiam sem parar. Olhava assustado para o sangue espalhado pela minha roupa. Nunca havia visto tanto. Até então, vivia me vangloriando de nunca ter levado pontos ou ter quebrado qualquer osso do corpo. E o meu nariz, tinham-no acertado de jeito. A cena não me saía da mente. Vi quando um dos caras parou na minha frente e, como se tivesse mirado, acertou um chutão no meu rosto pelo espaço que ficara sem proteção entre os meus cotovelos.

Sacolejando dentro daquele carro a caminho do hospital, o medo fazia-me repetir, contínua e silenciosamente, a promessa de deixar de ser um rockabilly. Sim, era isso mesmo que faria. Cortaria o topete, compraria roupas de marca e voltaria a ser aceito por todos.

Também esqueci todas as minhas dúvidas religiosas e apelei para Deus. Ali, na condição em que me encontrava, não queria saber se o Senhor existia ou não. Nem se Ele era realmente bom. Queria apenas que Ele me ajudasse a compreender tudo que vivera naquele início de noite.

15 comentários:

  1. Parabéns! Que este seja o primeiro de outros livros que virão.
    Espero que a leitura de "Aventuras de um Rockabilly" esclareçam muitas dúvidas que pairam em minha mente até hoje.
    Beijos ,mamãe.

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  2. Há, fiquei curioso, hermano...
    Aguardarei os próximos capitulos... já favoritei o blog aqui no pc...
    Parabéns ae...

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  3. Pedro,
    Você não lembra, mas somos amigos de seus pais desde quando você era muito pequeno...( O Edmar desde quando o Eduardo era estudante)
    Onde posso comprar o seu livro?Estamos felizes por você, Ciça e pelo Dudu!
    Beijão e suscesso!
    Cristina e Edmar

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  4. Gostei da publicação. Tenho certeza que este não será só o primeiro capítulo, mas somente o primeiro capítulo do primeiro livro. Boa sorte. Beijos.

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  5. Pedro,parabéns !! Adorei o 1º capitulo, estou aguardando os outros..Desejo muito sucesso, vc merece !!Beijos

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  6. Pedro, parabéns!!! Muito sucesso e que esse livro, seja o início de uma bela carreira literária. A forma como escreve, é cativante.
    Um forte abraço....

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Pe, parabéns pela divulgação, suas palavras são realmente envolventes, já estou esperando a próxima postagem, bjo

    Ivanise

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  9. Sou fã... e não é de hoje! Boa sorte irmão!

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  10. Pessoal, muito obrigado pelo apoio e incentivo! E fiquem de olho nos próximos capítulos!
    Grande abraço a todos!!!

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  11. Cristina, esqueci de dizer na postagem anterior que a versão impressa do livro ainda não ficou pronta. Assim que estiver, escrevo avisando. Abraços!!!
    Pedro

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  12. Só hj q li o primeiro capítulo...
    Amei!
    Parabéns!!!
    Bjs c Carinho!
    Ale

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  13. Pedrinho,

    Realmente fiz uma "viagem" no tempo...relembrei de amigos, lugares e fatos que estavam guardados na minha memória .....

    Vejo este livro como um presente a todos que gostam de uma boa leitura e estou orgulhoso der seu amigo até hoje e ter feito parte da historia "Rocker" do Bonfa .

    Obs: Durante a Faculdade eu ja sabia que vc se tornaria um escritor.rsrs!!

    Abs

    Fabrizzo

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  14. Valeu, Fabrizzio!!! Demorou mas consegui encontrar alguém da velha guarda rocker do Bonfigliolli, rsrs!!!
    Grande abraço,
    Pedro

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