sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Noite de balada (Cap. 15/Parte 6)

O clima de tensão ia enfraquecendo enquanto nos espalhávamos pela íngreme descida que levava ao Bonfigliolli, deixando para trás os "funções" e a garagem enfeitada pela grande bandeira do Brasil. Taciturno com a visão do Nique e a Carol de mãos dadas, resolvi ficar na retaguarda do grupo de andarilhos, trocando palavras esporádicas com o Fabrício e o Wanderlei.

Conforme andávamos, a música ia cedendo espaço ao som do falatório e dos saltos das botas batendo contra o calçamento. Os paralelepípedos da rua formavam um piso bastante liso para as solas de couro da botina negra que calçava, exigindo atenção extra durante a descida daquela que provavelmente era a ladeira mais íngreme do bairro.

A caminhada do sábado à noite já era um acontecimento frequente para a turma, assim como a reunião na Cave nas noites de sexta. Todo final de semana em que a programação não incluía uma balada rockabilly em outro ponto da cidade, geralmente no Centro ou em Pinheiros, saíamos vagando pelas ruas da redondeza atrás de alguma festa. Andávamos bastante, percorrendo diversos bairros. O esforço era recompensado pela economia que esse tipo de programa proporcionava, afinal não pagávamos para entrar nem para beber, gastávamos apenas o solado de nossas botas. As noites quentes do início de ano eram outro estímulo, apesar do frio não ser realmente uma barreira quando se tem 15 ou 17 anos.

Após descer a rua da caixa d’água, andamos alguns quarteirões planos antes de encarar outra descida, que nos levaria à principal avenida do bairro. Meus olhos miravam o asfalto que substituíra o paralelepípedo no pavimento das ruas, mas meu pensamento estava distante, dominado por uma incômoda “dor de corno”. A madrugada chegava trazendo consigo uma gostosa brisa, que refrescava os corpos acalorados pelo rock’n’roll.

- Tá pensando na morte da bezerra? - brincou o Píter, parando no meio da rua para esperar que eu o alcançasse.

- É, tô viajando - respondi, levantando a cabeça e arregalando os olhos na direção do amigo roqueiro. Já estávamos na avenida principal, onde era possível avistar o Julio Mesquita, por isso resolvi brincar com o Píter. - Caramba, vocês não conseguem ficar longe dessa escola nem de final de semana. Nunca vi tanta paixão por um lugar!

- Deus me livre, não quero botar os pés nesse lugar de novo. Só passo aí durante a semana porque é o ponto de encontro da turma - respondeu o rockabilly despeitado, fazendo pouco caso da escola em que estudara até pouco tempo e que perdera muitos dos nossos naquele início de ano. A maioria deles havia migrado para um supletivo em Pinheiros, buscando um caminho mais simples para concluir os estudos.

Subimos a avenida e andamos mais alguns minutos por ruas menores até chegar à casa em que acontecia a outra festa, localizada no outro extremo do bairro. Feita para arrecadar dinheiro para a formatura dos alunos de outra escola pública da região, a festa estava realmente cheia. Além dos desencanados que se contentavam em ficar espalhados pelas imediações da festa, havia uma pequena multidão esperando para entrar.

A casa era mais bonita e maior que a anterior, mas com certeza não comportaria a quantidade de pessoas que estava por ali. Para piorar, nossa chegada deixou os organizadores, que já estavam bastante preocupados com a lotação do lugar, ainda mais agitados.

O Wilson e o Antero foram até a porta averiguar a situação. Logo depois voltaram com notícias pouco animadoras.

- Puts, aquela porra tá lotada! Não cabe mais ninguém lá dentro, não sei como ainda estão deixando o pessoal entrar - constatou o Antero.

- É melhor desencanar de entrar, aquilo ali tá a maior muvuca! - completou o Wilson, recebendo a anuência do resto da turma.

Apesar da grande quantidade de pessoas, o ambiente do lado de fora estava amistoso, com a presença de muitos conhecidos da região. Por isso ninguém se queixou de ficar na rua batendo papo. O grupo que se aglomerava diante da porta, no entanto, não tinha o mesmo pensamento. Uma porção de jovens exaltados começou a forçar o portão de madeira que acabara de ser fechado, fazendo com que o dono da casa se arrependesse de ter resolvido fazer a festa. Nenhum topetudo estava entre os bagunceiros, mas a nossa presença nas imediações fez com que o fato ficasse associado por muito tempo aos rockabillies do bairro.

Dentro da casa, o pessoal da organização, composta por alguns formandos e pelos donos da propriedade, ameaçava chamar a polícia para dar um fim à situação.

- Se os gambés aparecerem vocês sabem pra quem vai sobrar, não sabem? - interrogou o Antero, no meio de uma roda em que proseavam meia dúzia de roqueiros, inclusive eu.

- É, acho que é melhor sair de rolê - emendou o Luís, antes de lançar uma das suas tradicionais cusparadas, finas e rápidas, rumo ao meio fio.
Passaram-se alguns minutos antes que conseguíssemos reunir toda a turma para colocar o pé no asfalto novamente, dando continuidade à nossa peregrinação noturna. Agora, entretanto, não tínhamos caminho certo a seguir.

A decepção ainda me perturbava, mas não me sentia tão triste quanto antes. A conversa furada com os amigos havia espantado boa parte dos pensamentos pesarosos. Por isso tratei de fazer o caminho de volta na companhia dos mais animados. Àquela altura, aliás, a turma já andava com destino certo, uma grande praça do bairro, atendendo à ideia dada pelo Tieta de aproveitarmos o fim da noite para discutir a criação da Gator’s.