segunda-feira, 17 de maio de 2010

O grande show (Cap. 14/Parte 2)


Conforme a noite se aproximava, o movimento crescia nas imediações do Projeto SP, trazendo consigo um inconfundível clima de euforia. Rockers de todas as idades e das mais diversas regiões iam, aos poucos, lotando a frente da casa de espetáculos. Nossos amigos da Fox Billy, também frequentadores da Cave, já estavam lá quando o pessoal da The Ratz apareceu. Considerada a mais antiga turma de roqueiros paulistanos, essa segunda turma era a mais conceituada da cidade. Também por ali estava o Érique Von Zíper, presidente do Rock’n’Roll Club do Brasil, o Eddy Teddy, da famosa banda Cokeluxe, e as meninas da Betty Boop - única turma feminina de Sampa - trajadas como se realmente estivessem “nos tempos da brilhantina”. O prestígio do trio nova-iorquino, no entanto, podia ser realmente medido pelos roqueiros de longa data que aguardavam o início da apresentação zanzando pelas imediações.

- Aquele ali não é Marcelo Nova, vocalista do Camisa de Vênus? - perguntei para o Morcegão, apontando para um sujeito que passava perto de nós, aparentando ser o antigo parceiro do Raul Seixas.

- Porra, acho que é, sim - respondeu o Morcegão, analisando o roqueiro. - Aliás, acho que também já vi o Kid Vinil e o Tony Campello andando por aí.

A expectativa era grande quando as portas foram abertas. Eufórica e ansiosa, a turma se espalhou pela platéia, repleta de conhecidos da comunidade rockabilly. Acompanhado por alguns amigos, garanti um lugar perto do canto direito do palco e aproveitei para dançar ao som de antigos sucessos do rock’n’roll que animavam o público enquanto o show não começava. Pouco tempo depois, quando a música parou para a entrada do roqueiro que faria o show de abertura, assobios, vaias e xingamentos tomaram conta do Projeto SP. Afinal, o músico de cabeleira descolorida e arrepiada, espécie de versão brasileira do Billy Idol, não tocava exatamente o som que esperávamos naquela noite.

- Cai foraaa!!! - bradou um indignado Nique.

- Vai pra casa - prosseguiu o Wilson fazendo um copo amassado voar até o palco. O clima pouco amigável, contudo, não desanimou o cara. Sob uma chuva de copos de plástico, alguns ainda com cerveja, o músico fez sua apresentação, dando à platéia rockabilly um divertido momento de catarse naquela noite em que a única coisa que importava era o Stray Cats.

A tranquilidade voltou a reinar no palco, e também na platéia, assim que o controverso cantor encerrou sua apresentação. O silêncio, entretanto, trouxe consigo a ansiedade pelo show da banda norte-americana. Àquela altura todos queriam ver rock’n’roll de verdade. Assobios e muita gritaria, dessa vez de aprovação, ecoaram pelo recinto quando as luzes voltaram a se acender, sinalizando a hora da tão aguardada atração da noite.

Urros de entusiasmo recepcionaram os topetudos nova-iorquinos, que, após um rápido cumprimento, seguiram para seus lugares no palco. Slim Jim Phantom ficou à esquerda com sua bateria de duas caixas e três pratos. Brian Setzer ocupou a posição central, enquanto Lee Rocker se posicionou à direita, bem perto do local onde eu estava. A primeira coisa que chamou minha atenção foi o visual dos caras. Eles usavam calças jeans surradas, topetes e costeletas, mas, ao contrário da maior parte da nossa turma, tinham muitas tatuagens e usavam roupas mais coloridas. Nós éramos mais ortodoxos. O branco na camiseta era quase obrigatório, assim como a jaqueta de couro preta. Além disso, somente o Nique ostentava uma tatuagem no braço, justamente aquela que possibilitara uma rápida conversa com o vocalista do Stray Cats na noite anterior.

Minha análise, entretanto, foi logo interrompida pelos primeiros acordes de rock’n’roll. A energia da sequência inicial, que incluía músicas como Rumble, Let’s Go Faster e Too Hip-Gotta Go, era tanta que não havia como ficar parado e muito menos como continuar devaneando. Mantendo um ritmo frenético, em que aproveitavam todas as possibilidades de seus instrumentos, os três logo conquistaram os quase quatro mil roqueiros que se acotovelavam na plateia. Na sequência, a clássica Stray Cat Strut antecedeu a incrível cover de Summertime Blues, de Eddie Cochran, que arrepiou todos os topetes que se espalhavam pelo recinto, incendiando o público. Extasiada, a platéia vibrava e dançava sem parar. Onde estava, podia acompanhar mais de perto o desempenho de Lee Rocker. O cara parecia ensandecido com seu contrabaixo. Ora girava, ora inclinava o enorme instrumento, chegando até a carregá-lo de um lado para o outro do palco. Enquanto isso, Brian Setzer arriscava-se com sucesso no banjo para tocar Foggy Montain.

De repente, o vocalista incorporou Gene Vincent, e começou a cantarolar uma das canções mais esperadas da noite: “Be-bop a- lu-la, she´s my baby. Be-bop a-lu-la, I don’t me maybe. Be-bop a-lu-la, she is my baby doll, my baby doll...”. Em uma espécie de transe coletivo, todos cantavam em uníssono com Brian Setzer. Inicialmente calmo, o ritmo da música subiu aos poucos, conduzindo a platéia ao nirvana roqueiro que encerrou o espetáculo.

- Isto é rock’n’roll. Deus os abençoe. - Sentenciou um Brian Setzer em estado de comunhão com o público assim que os instrumentos se silenciaram.

Era verdade. Ninguém ali tinha a menor dúvida. Após a saída dos músicos do palco, um revelador silêncio tomou conta da platéia, encantada com o que acabara de ver e ouvir.

- Que show!!! Que puta show!!! - murmurava para si mesmo o Duque, com os olhos vidrados ainda fixos no palco à sua frente, enquanto procurava se recobrar após aquela noite inesquecível.