sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Noite de balada (Cap. 15/Parte 5)

O Júnior Neguinho despontou na porta da garagem com a camiseta molhada de suor. Os olhos do jovem negro foram de um canto ao outro da rua até me acharem alguns metros à direita. Seu musculoso braço esquerdo estava dobrado com a mão erguida segurando a jaqueta sobre o ombro. Ainda balançando no ritmo da música, veio na minha direção.

- Caramba, que calor, dancei pra caralho! - disse enquanto encostava ao meu lado no carro.

- É, tá quente lá dentro, também saí pra tomar um ar.

- Qualé a desses caras aí atrás?

- O baixinho ali com cara de função tá falando que vai abrir uma loja de botas.

- Esse cara é um cuzão mesmo. Fica todo folgado porque conhece uns malacos por aí. Mas é bom a gente ficar ligado, esse tipo de cara só se garante maquinado. Vou dar um toque pro BB - concluiu o Júnior Neguinho, desencostando lentamente do carro.

Talvez os caras do outro lado da rua, também moradores da região, não pretendessem nada mais sério apesar das bravatas do baixinho. Aquele tipo de provocação, no entanto, fazia o meu sangue ferver.

A sessão de músicas rockabillies finalmente terminou, cedendo espaço para a house. A troca fez com que os ocupantes da pista de dança logo se alterassem, com os rockabillies sendo substituídos por gente que gostava de música mais nova. Os primeiros topetudos suados despontaram no portão da casa, espalhando-se em pouco tempo pela calçada. Avisados pelo Júnior Neguinho, o Tieta e o BB tentavam aglutinar a turma com discrição e sem dar muitas explicações.

Um clima de tensão tomava a pequena rua da Vila Gomes. Os rapazes nos fitavam com olhares desafiadores, mas as provocações explícitas haviam cessado. Fazendo-se de desentendidos, alguns roqueiros ajeitavam os topetes - desmanchados durante a dança - diante de vidros de carros estacionados pela rua. Outros, mais afeitos a confrontos, retribuíam os olhares e faziam poses provocativas no melhor estilo James Dean, com direito a cigarro no canto da boca e mãos nos bolsos.

Os dois grupos, entretanto, não pareciam determinados a entrar em choque. As discretas provocações criavam um equilíbrio que satisfazia a ambos. Ninguém estava disposto a dar o passo rumo ao outro lado da rua que desencadearia a briga.

- Essa festa já deu o que tinha pra dar. Vamos nessa - sugeriu o BB.

- É isso aí! - concordou o Tieta. - Vamos só esperar o Duque e o Morcegão que estão arrumando os discos lá dentro.

- Beleza! Vou pegar uma breja e já venho, não deixem a turma se dispersar. Vocês também querem? - perguntou o BB, olhando para mim e para o Tieta.

- Brigadão - respondi negativamente, enquanto o Tieta balançava a cabeça concordando com a proposta do amigo.

O Duque e o Morcegão logo apareceram. A pilha de discos original estava agora dividida em duas, cada uma delas carregada por um dos garotos. Pouco depois apareceu o BB, carregando uma porção de latas de cerveja e convocando a retirada da turma.

- Vamos nessa, pessoal! Temos outra festa pra agitar - chamou o roqueiro, distribuindo as latas entre a galera. - Haha, peguei nosso cachê em cerveja!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Noite de balada (Cap. 15/Parte 4)


Casais de dançarinos revezavam-se no centro da pista, cercados pelos demais roqueiros, cujos pés também não paravam, dançando com animação nas áreas periféricas do salão. Os passos exigentes logo começaram a provocar calor nos dançarinos. Previdente, o Morcegão interrompeu sua dança, sumiu dentro da casa por um instante e reapareceu carregando uma cadeira. O caçula da turma, de pele bem morena e cabelos negros, dono de um queixo fino e proeminente, ajeitou a peça num canto da garagem, colocando o casaco sobre o encosto. Logo, muitos o imitaram, fazendo com que se formasse uma pilha de jaquetas.

A voz grossa do vocalista do The Platters ressoava pelas caixas de som, diminuindo o ritmo da festa com a romântica The Great Pretender, quando vislumbrei a Carol do outro lado do salão. A visão fez com que meu coração acelerasse e meus olhos parassem sobre a bela garota. Ela esticou o braço direito e acenou de forma simpática, com um belo sorriso no rosto. Respondi com um cumprimento acanhado. “É agora. Tenho que ir lá falar com ela.”

Gotas de suor brotavam na minha testa e sobre os meus lábios no momento em que decidi convidá-la para dançar. Estufei o peito, arrumei a gola da jaqueta e atravessei o salão desviando dos dançarinos, com o estômago fervendo de nervosismo. Estava perto quando vi o Nique se aproximar dela e puxar conversa. Passei reto, sem ser notado, enquanto os dois começavam a dançar, trocando palavras melosas.

O Nique era sempre um concorrente forte quando o assunto era alguma garota. Por isso, a visão dos dois dançando no meio da garagem me fez murchar. Desanimado, encostei em uma parede e fiquei remoendo pensamentos de autocompaixão. “Que merda, só me lasco mesmo.”

Enquanto eu mordia o lábio em um dos cantos do salão, o Nique acariciava os cabelos ondulados da Carol e enchia seus ouvidos de palavras divertidas. Prevendo o final da história, resolvi arranjar algo para beber antes de sair da garagem. A música e a dança já não me interessavam mais quando cruzei a porta de entrada da casa em busca de um copo de refrigerante. Tampouco me importei com os olhares curiosos que me lançaram quando entrei na sala, repleta de familiares e amigos da aniversariante que tinham se refugiado da invasão roqueira à festa. Vasculhei o ambiente com os olhos até achar uma mesa com refrigerantes, alguns sanduíches e um isopor com cervejas. Enchi um copo com guaraná e peguei um cachorro quente, que mastiguei com a cara entediada.

Saciado, resolvi atravessar novamente a garagem e passei pelo portão de ferro que separava a casa da rua. Lá fora, encostei na lateral de um carro estacionado ali perto. Meu desânimo contrastava com a agitação dentro do salão, onde meus amigos dançavam animadamente ao som de Carl Perkins.

Um grupo de rapazes mais velhos conversava do outro lado da rua. O assunto, no entanto, não era dos melhores. Depois de vários meses andando com a turma roqueira, eu aprendera a reconhecer certos sinais de perigo. Havia as gozações tentando nos diminuir e também as caras desafiadoras procurando provar que não éramos de nada.

A minha presença motivou dois deles a simularem uma dança, satirizando os passos de rock’n’roll sob os risos dos demais companheiros. Continuei encostado no carro, imóvel e com os braços cruzados, fazendo-me de desentendido. Eles não eram muitos, poderíamos encará-los, mas um comentário me deixou preocupado.

- Rapaziada, acho que vou abrir uma loja na segunda-feira. Pra vender só bota e jaqueta de couro - disse em tom provocativo um sujeito baixo e forte, que eu conseguia ver apenas pelo canto do olho. Parado no meio da rua com as mãos no bolso, ele não tinha o jeito fanfarrão dos outros rapazes. Sua fala era segura e convincente.