sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Um estranho no ninho (Capítulo 3/Parte 1)

O estridente barulho da campainha ressoou pela casa sinalizando a presença de visitantes. Ainda com o cabelo despenteado, caminhei apressado até a janela do quarto. “Xiii, já deve ser o Wilsão”, pensei enquanto me debruçava no batente para ver quem havia chegado.

- Espera aí, já tô indo - gritei da janela do dormitório, no andar superior da casa, ao mesmo tempo em que sinalizava com a mão direita para que eles aguardassem.

- Deixa de ser lerdo, Claudinho. Vem rápido - retrucou o Wilson da calçada diante do portão, onde aguardava com mais quatro garotos.

- Tá bom, já tô descendo - respondi antes de me virar e seguir com passos rápidos até o espelho, em frente ao qual penteei o cabelo e dei uma última ajeitada na roupa. Em seguida, peguei sobre o criado-mudo o dinheiro que meu pai havia me dado para sair naquele fim de tarde e o enfiei na carteira preta que costumava carregar no bolso da calça. Afobado, ainda desliguei o rádio antes de abrir a porta do quarto e disparar escada abaixo.

- Pai, mãe, o Wilson tá aí, já vou indo - disse assim que me deparei com meus pais na sala, ao pé da escada.

- Vê se não volta tarde, que amanhã tem aula - falou minha mãe, enquanto meu pai recomendava juízo.

- Pode deixar, eu sei me cuidar - respondi, mandando beijos para ambos.

Enquanto corria para a porta de casa, ainda ouvi minha mãe perguntar para o meu pai se o Wilson e o resto da turma seriam boa companhia para mim. Não ouvi a resposta, pois a essa altura já estava fechando a porta, mas imaginei qual seria, afinal meus pais tinham uma certa implicância com o Wilsão desde a época em que tínhamos estudado juntos. O fato dele ter repetido de ano diversas vezes, inegavelmente, colaborava muito para essa desconfiança.

- Caramba, Claudinho, como você demorou! - cutucou o Wilsão no mesmo momento em que fechei a porta de casa. - Continua tranquilo como sempre, hein?

- Desculpa, não vi a hora passar. Tudo joia? - falei, esticando a mão para cumprimentá-lo.

- Beleza. Você já conhece o Nique, não conhece? - questionou meu amigo, apontando para um garoto magro, de estatura mediana e olhar muito vivo, cujo cabelo castanho claro estava cortado no melhor estilo “rabo-de-pomba”. Naquela época, aliás, esse penteado que deixava o cabelo cheio, com apenas uma estreita faixa bem curtinha na parte de baixo, estava bastante na moda.

- Só. Lembro dele lá da sua rua - respondi, tratando de cumprimentar o rapaz, que aparentava cerca de quinze anos.

Apontando os outros rapazes, o Wilsão continuou a apresentação da turma. Havia um sujeito forte, com cerca de um metro e setenta e cinco, pele bem morena, rosto arredondado e cabelos negros encaracolados, cujo apelido era bastante estranho: Tieta. Logo fiquei sabendo que aquela esquisita alcunha fora dada porque o garoto, de dezessete anos, era de origem nordestina, como a Tieta do livro de Jorge Amado e da telenovela que tanto sucesso fazia nas noites daquele ano de 1989. Entre os amigos do Wilsão também estava o Píter. Introspectivo e dono de traços orientais que deixavam clara sua ascendência japonesa, estava com dezesseis anos, assim como o outro rapaz que completava o grupo, o Denis Demente, um alemãozinho alto e forte, dotado de um proeminente nariz e de uma cabeleira loura bastante lisa, que lhe escorria pela testa. Todos estudavam no Julio Mesquita e, pelo jeito, já tinham prestado muitos serviços àquela escola, cujo ensino se estendia somente até a oitava série.

Seguimos rumo ao ponto de ônibus, localizado na margem da Raposo Tavares, sob a passarela de pedestres que ligava o Rolinópolis ao Bonfigliolli. Ainda desentrosado, participei pouco do animado papo travado entre os outros cinco garotos durante os cerca de quinze minutos de espera até que despontasse na estrada o ônibus que nos levaria a Pinheiros. Assim que ele parou, subimos pela porta traseira, como se fazia em São Paulo naquela época. O veículo não estava muito cheio, por isso resolvemos sentar antes da catraca, ali mesmo na parte de trás.

Quando o ônibus deixou a avenida Eusébio Matoso, ingressando na Rebouças, o Wilson levantou do banco e me chamou: - Vamos lá, Claudinho, vamos passar pra frente que o nosso ponto já tá chegando.

- Beleza, vamos nessa - respondi, enquanto me levantava e pegava a carteira, em busca do dinheiro para a passagem. Seguindo meu amigo, paguei o cobrador e passei pela catraca. O resto da turma, no entanto, continuou sentada tranquilamente no fundo do ônibus. “Ué? Pensei que eles fossem pra danceteria com a gente, não tô entendendo nada”, refletia, olhando com estranheza para a outra extremidade do veículo.

- Pô, Wilsão, os caras não iam com a gente pra Cave?

- Eles vão, só que vão nos encontrar mais tarde - disse de forma pouco esclarecedora meu antigo colega. Mesmo sem entender nada, balancei a cabeça como se tivesse compreendido a explicação.

Assim que o ônibus atravessou o cruzamento entre a Rebouças e a Henrique Schaumann, o Wilsão puxou a cordinha que pendia do teto do ônibus, fazendo com que soasse a campainha que sinalizava nossa intenção de descer no próximo ponto. O veículo reduziu a velocidade e, em seguida, freou. O rangido das portas se abrindo logo se fez ouvir. Primeiro, com passos lentos, desceu o Wilsão, depois foi a minha vez.

No mesmo momento em que o solado de borracha do meu tênis tocou o concreto da calçada, ouvi o motorista fazer uma queixa em voz alta e agressiva: - Molecada filha da puta! Além de não pagar a passagem, ainda atrapalha quem está subindo.

Sem conhecer o motivo da irritação do condutor, fiz um gesto interrogativo para o Wilsão, levantando os ombros e franzindo as sobrancelhas. Ele se limitou a apontar para o lado, onde, alguns metros à minha direita, os outros garotos nos aguardavam com sorrisos marotos. “Caramba, esses caras são loucos”, meditei, observando a cena inusitada sem saber que logo aquele tipo de situação se transformaria em rotina nas nossas saídas. Afinal, a tática era quase infalível. Quem havia pago a passagem pedia para o ônibus parar, aí os espertinhos se apressavam para escapulir pela porta traseira, respondendo com risos debochados aos impropérios do indignado cobrador.

- Haha, acho que o Claudinho nunca tinha visto ninguém descer pela porta de trás, galera - brincou o Wilsão, tirando risos do resto da turma.

- Só, olha a cara de espanto dele, parece que viu um fantasma. Mas não liga não, Claudinho, você acostuma - completou o Tieta, dando tapinhas amistosos no meu ombro.

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