- Caramba, o cara se fodeu só porque casou com a prima - comentou o Morcegão, enquanto descíamos a escada rolante do shopping.
- Também, a mina tinha só treze anos, o que você queria? - respondeu o Tieta.
- Caralho, não vejo nada de mais.
- Você não vê nada de mais porque tem a mesma idade dessa mina que casou com o Jerry Lee. É outro pivete. Além disso, aquilo foi nos anos 50. A galera daquela época era mais caretona.
- É, isso é verdade. O cara era um puta roqueiro, mas foi meio zélão nessa história aí. Vacilou legal! - concluiu o Morcegão.
O papo girava em torno do desfecho do filme. Quando estava no auge do sucesso, prestes a roubar o posto de “Rei do Rock” de Elvis Presley, recrutado pelo exército norte-americano, um escândalo acabou com a carreira de Jerry Lee Lewis. O conservador público da época não aceitou o casamento do “Matador” com uma prima de apenas treze anos, interpretada no filme pela atriz Winona Rider. Os discos do roqueiro pararam de vender, as músicas saíram das paradas de sucesso e, em pouco tempo, o cantor caiu no ostracismo.
- Bom, mas que o cara era irado, isso era. Tocou fogo no piano em pleno show só porque o colocaram pra tocar antes do Chuck Berry. Muito louco! - comentei quando chegamos no piso inferior.
- O cara era puro rock’n’roll, precursor de todos esses roqueiros que vieram depois fazendo panca de rebeldes - acrescentou o Duque.
- É. Vocês repararam que quase todos esses caras se lascaram? O Ritchie Valens, o Big Booper e o Buddy Holly se estreparam em um acidente de avião. O James Dean quebrou o pescoço numa porrada com seu porsche. O Elvis também morreu jovem, ‘locão’. O Roy Orbison perdeu os dois filhos num incêndio na casa dele e o Eddie Cochran bateu as botas numa batida de carro quando tinha 21 anos - falei, intrigado com a questão.
- Isso sem falar no Carl Perkins, que se arrebentou num acidente de carro e ficou quase um ano no hospital, e no Chuck Berry, que ficou no xilindró por dois anos quando estava fazendo um puta sucesso - emendou o Duque, completando a lista de desgraças.
Virando para mim, o Wilsão soltou seu palpite: - Só. Deve ter sido olho gordo dos caretas. Eles queriam mais é que todos esses roqueiros se estrepassem.
- Ou então era alguma maldição. A maaaaldição do rock’n’roooooll - brincou o Nique, falando em tom sombrio e tirando risos dos demais topetudos.
- Viva depressa, morra jovem e tenha um cadáver com boa aparência... - soltou o Duque, instigando a turma.
- Essa frase é uma puta viagem. Não quero morrer jovem, não. Quero ficar velhinho como o meu avô. O James Dean curtia esse papo aí, mas no fim não deve ter conseguido um cadáver de aparência muito boa, não - retrucou o Morcegão, acrescentando mais um elemento para a conversa animada que nos acompanhava enquanto saíamos do shopping.
Na rua, a turma se dispersou, andando sem pressa pela avenida. Entregue aos meus pensamentos, caminhava mais atrás, à frente apenas do BB. Depois de percorrer um curto trecho de calçada, iniciamos a travessia da sempre movimentada passarela sobre a avenida Eusébio Matoso.
Queixo erguido, olhos observadores e cigarro pendendo no canto da boca, o BB se aproximou e colocou a mão esquerda sobre o meu ombro. Em seguida, segurou o cigarro com o indicador e o dedo médio da outra mão e soltou uma baforada de fumaça para o alto. Depois, virando-se para mim, disse com ar sábio: - Rock’n’roll, Claudinho, rock’n’roll...
Concordei com um meneio de cabeça, sem dizer nada. Ali, no alto da passarela, acima do nível convencional das ruas, sentíamo-nos simplesmente como os senhores de Sampa. Os senhores roqueiros de Sampa.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
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