sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Johnny Cash


Amigos, esse 12º capítulo do livro termina com o som de Johnny Cash agitando a pista de dança da House. Com seu ritmo forte como um trem e cortante como uma navalha, Cash continua sendo um dos meus cantores favoritos. Por isso, fui ao You Tube procurar alguns vídeos interessantes desse incrível pioneiro do rock, que em 2006 inspirou o filme Johnny & June, baseado no intempestivo relacionamento entre o astro e sua esposa, a talentosa e carismática cantora June Carter.
Nascido no Arkansas, em 1932, Cash teve como berço musical a Sun Records, a mesma gravadora que lançou astros como Elvis, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins e Roy Orbison. Bem, a seguir estão alguns vídeos originais do cantor, incluindo uma entrevista, gravada em 1961 para um programa de TV americano, e uma apresentação ao lado de June na prisão de San Quentin, em 1969.
http://www.youtube.com/watch?v=pBa9mMyLhXQ
http://www.youtube.com/watch?v=H50wPVbL_z8&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=wEV58ztuihs&NR=1
http://www.youtube.com/watch?v=qvb-6gNKdZE&feature=related
Espero que gostem. Grande abraço!
Pedro

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Um domingo especial (Cap. 12/Parte 1)

Aquele era um domingo atípico. Os cruzamentos das grandes avenidas paulistanas estavam repletos de pessoas carregando bandeiras coloridas e distribuindo panfletos para os motoristas parados nos semáforos. Faixas pendiam das janelas dos apartamentos, identificando a posição política dos seus proprietários, e pelas ruas circulava um número enorme de pessoas, excitadas com aquela data especial. Depois de quase trinta anos de eleições indiretas, boa parte deles vividos dentro de uma rígida ditadura militar, naquele dia 17 de dezembro de 1989, os brasileiros voltavam a eleger o presidente do país. Dois candidatos de história e formação bem distintas concorriam ao cargo: Lula e Collor. Migrante nordestino, Lula começara como metalúrgico, depois se tornara sindicalista e, por fim, uma das figuras mais destacadas do cenário político nacional. A primeira vez que ouvi falar dele foi em 1982, durante a eleição para o governo do estado de São Paulo. Naquela época - pouco mais de sete anos antes, quando os ventos da redemocratização começavam a soprar pelo país -, ele causara um grande temor entre as classes média e alta. Os integrantes da parcela mais abastada da sociedade imaginavam que, caso fosse o escolhido, Lula imporia severas medidas sociais. “Nossa, será que se ele ganhar vem mesmo um monte de gente estranha morar aqui em casa?”, me perguntara insistentemente na época daquela primeira eleição, influenciado pelos comentários que ouvia em meu meio social, o mesmo que naquela nova eleição se encantara com a figura de Collor, um atlético caçador de corruptos, fluente em francês.

Ainda sem idade para votar, eu e o Daniel, meu primo de Santos, olhávamos a tudo com curiosidade e de forma descompromissada, enquanto percorríamos as várias quadras da avenida Faria Lima que separavam a avenida Rebouças do bairro do Itaim. Apesar de toda agitação e da importância daquele dia, tínhamos outras preocupações além do destino da nação.

Residente em Santos, principal município do litoral paulista, o Daniel estava em São Paulo justamente por causa da eleição. Seus pais, que moravam há pouco tempo na cidade litorânea, ainda votavam na capital, por isso subiram a serra naquele dia para dar sua contribuição ao processo eleitoral brasileiro. Aproveitando a ocasião, convidei-o para conhecer a House, o novo ponto de encontro da turma rockabilly no fim das tardes de domingo. Tínhamos nos encontrado horas antes na casa da avó paterna dele, no bairro de Perdizes. Depois de almoçarmos, colocamos a conversa em dia e acompanhamos pela televisão o desfecho do sequestro de um famoso empresário, que dividia o interesse do público com a eleição naquele fim de ano. Quando o relógio já marcava cinco horas da tarde, decidimos sair para nossa empreitada dominical. Naquele instante, caminhávamos tranquilos, sob um gostoso sol de fim de primavera.

- Porra, você precisa ver a quantidade de gatas que tem na House, é bem melhor do que a Cave, aonde a gente ia antes. Além disso, tem uma pista em que rola sempre uma sessão de rock’n’roll pra nossa galera, é muito louco, já tem uns dois meses que a gente vai lá todo domingo.

- E você já sabe dançar ou fica só de canto olhando os outros?

- Opa, já tô dançando legal, mas ainda não sou tão bom quanto uns caras da turma, como o BB e o Demente, eles dançam pra caralho.

- Legal, mas como você aprendeu a dançar? Você sempre foi meio durão.

- Pô, sozinho. Eu ficava só de olho na galera dançando, marcando os passos na cabeça. Aí, um dia eu entrei no meu quarto, tranquei a porta, encostei os móveis, coloquei um disco do Bill Halley na vitrola e dancei até aprender. Acho que o disco ficou gasto de tanto que girou na vitrola.

- Haha, você é maluco mesmo.

- E depois, num outro dia, peguei minha irmã e fiquei treinando os passos em dupla com ela até ficar craque.

- Coitadinha!!!

- Que nada, ela curtiu também, ficou craque. E como ainda é bem leve, tô conseguindo até fazer umas acrobacias bacanas com ela, você precisa ver.

- Pobrezinha da Isabela, deve ser duro aguentar um irmão roqueiro - se divertia meu primo, que, aliás, se mostrava cada vez mais interessado no universo rockabilly do qual eu tanto falava.

A House ocupava uma construção de esquina com três pavimentos. O telhado em estilo europeu e a fachada enfeitada por duendes coloridos, que contrastavam com as paredes beges, davam à casa um ar conservador, bem distinto daquele que predominava nas demais danceterias paulistanas. Sempre bem iluminado, o térreo era o andar preferido pela turma rockabilly. Ali havia um agradável bar, rodeado por mesas e cadeiras de madeira, e uma aconchegante pista de dança. No primeiro piso havia um restaurante, normalmente fechado aos domingos, quando a casa recebia apenas a garotada. Já o segundo e último andar parecia de fato uma danceteria. Cercada por espelhos, a pista fervia ao som dos últimos sucessos, principalmente poperô.
Localizada num bairro elegante, a casa atraía uma clientela mais abonada que a Cave. Apenas nossa turma de roqueiros contrastava com o ambiente, frequentado pela rapazeada endinheirada do Itaim Bibi, que, até então, ainda nos tolerava naquele valorizado pedaço de terra da capital paulista.

Diante da porta giratória, separada da calçada por dois largos degraus, uma pequena multidão se concentrava naquele fim de tarde. Como aquela seria a última domingueira do ano, já que a casa estaria fechada nas semanas seguintes para as festas de Natal e Reveillon, ninguém queria ficar de fora. Ainda assim, eu e o Daniel conseguimos entrar com certa facilidade. Como meus amigos ainda não haviam chegado, nos sentamos em volta de uma das mesinhas do térreo para aguardá-los. Nossa conversa abordava o mesmo tema de minutos antes, quando caminhávamos pelas ruas da região.

- Rockabilly não é só música ou dança, é um estilo de vida que te acompanha vinte e quatro horas por dia - falava em tom professoral, quando uma confusão chamou nossa atenção. Do lado de fora da danceteria, um segurança discutia com alguns garotos. Nós observávamos a tudo pela janela de vidro esfumaçado localizada bem ao lado de nossa mesa. O bafafá, entretanto, terminou rápido, com uma bela rasteira do leão-de-chácara em um dos rapazes, que caiu sentado sobre o asfalto duro da rua. O golpe desmoralizou os garotos, convencendo-os a deixar a encrenca de lado.

- Caramba, o cara é bom, hein? - comentei, impressionado com a habilidade do segurança.

- É mesmo! Lá em Santos tenho um amigo assim, fera em artes marciais, o Japonês, você precisa conhecê-lo um dia desses - disse o Daniel. - Ele consegue encarar até três caras de uma vez.

- Bem, isso o BB e o Tieta também fazem, e olha que eles não praticam arte marcial nenhuma, são bons de briga mesmo.

- Como o Bahia, um outro amigo meu, que nasceu em Salvador, mas foi morar lá na Baixada. Não tem um cara que fique em pé com um soco dele. É uma porrada e um tombo.

- Mas lá no bairro tem um cara bravo meeeesmooo, o Paulo Careca, esse daí não dá nem pra comparar. E é irmão de um xará seu, o Daniel, que também é rockabilly. O pessoal fala que o cara já espancou muito mestre de arte marcial - continuei, sem conter os exageros, já que eu e meu primo cultivávamos uma antiga rivalidade a respeito de quem tinha os amigos mais terríveis. Nenhum dos dois queria ficar para trás, mas a chegada de um grupo de roqueiros interrompeu nossa conversa. Pela porta giratória foram passando, um por vez, o Tieta, o Nique, o Wilsão, o Píter, o Demente, o Morcegão e o Júnior Neguinho.

- E aí, Claudinho, chegou faz tempo? Pensei que você não viesse, liguei na sua casa e sua mãe falou que você tinha saído - interrogou o Wilsão, se acercando da mesa.

- É, fui até as Perdizes, mas não podia perder a última domingueira do ano. Esse aqui é o Supondo, meu primo lá de Santos. Gente fina, também curte um bom rock’n’roll.

- Supondo?! Isso é nome ou apelido? - perguntou o Wilsão enquanto esticava a mão para cumprimentar o novato na turma.

- Não, meu nome é Daniel. Supondo é o apelido que o pessoal lá da Baixada me deu.

- É que ele é metido a intelectual, gosta de falar difícil e vive querendo supor alguma coisa - acrescentei em tom de brincadeira.

- Legal, Supondo. Você vai ver como isso aqui fica animado na hora do rockabilly, o pessoal delira - contou o Wilsão. - Aliás, vocês já foram lá em cima ver como tá o movimento?

- Não, ainda não, estávamos fazendo uma hora aqui em baixo, mas já vimos que hoje tem uma mulherada forte por aqui - expliquei, ao mesmo tempo em que me levantava para cumprimentar o resto do pessoal.


- A gente convidou umas minas lá do Bonfa, acho que elas também vão colar por aí - falou o Wilsão, atiçando minha curiosidade. Em seguida, convidou: - Vamos dar um rolê pra ver como tá o movimento lá em cima?

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A fera do rock (Cap. 11/Parte 3)

- Caramba, o cara se fodeu só porque casou com a prima - comentou o Morcegão, enquanto descíamos a escada rolante do shopping.

- Também, a mina tinha só treze anos, o que você queria? - respondeu o Tieta.

- Caralho, não vejo nada de mais.

- Você não vê nada de mais porque tem a mesma idade dessa mina que casou com o Jerry Lee. É outro pivete. Além disso, aquilo foi nos anos 50. A galera daquela época era mais caretona.

- É, isso é verdade. O cara era um puta roqueiro, mas foi meio zélão nessa história aí. Vacilou legal! - concluiu o Morcegão.

O papo girava em torno do desfecho do filme. Quando estava no auge do sucesso, prestes a roubar o posto de “Rei do Rock” de Elvis Presley, recrutado pelo exército norte-americano, um escândalo acabou com a carreira de Jerry Lee Lewis. O conservador público da época não aceitou o casamento do “Matador” com uma prima de apenas treze anos, interpretada no filme pela atriz Winona Rider. Os discos do roqueiro pararam de vender, as músicas saíram das paradas de sucesso e, em pouco tempo, o cantor caiu no ostracismo.

- Bom, mas que o cara era irado, isso era. Tocou fogo no piano em pleno show só porque o colocaram pra tocar antes do Chuck Berry. Muito louco! - comentei quando chegamos no piso inferior.

- O cara era puro rock’n’roll, precursor de todos esses roqueiros que vieram depois fazendo panca de rebeldes - acrescentou o Duque.

- É. Vocês repararam que quase todos esses caras se lascaram? O Ritchie Valens, o Big Booper e o Buddy Holly se estreparam em um acidente de avião. O James Dean quebrou o pescoço numa porrada com seu porsche. O Elvis também morreu jovem, ‘locão’. O Roy Orbison perdeu os dois filhos num incêndio na casa dele e o Eddie Cochran bateu as botas numa batida de carro quando tinha 21 anos - falei, intrigado com a questão.

- Isso sem falar no Carl Perkins, que se arrebentou num acidente de carro e ficou quase um ano no hospital, e no Chuck Berry, que ficou no xilindró por dois anos quando estava fazendo um puta sucesso - emendou o Duque, completando a lista de desgraças.

Virando para mim, o Wilsão soltou seu palpite: - Só. Deve ter sido olho gordo dos caretas. Eles queriam mais é que todos esses roqueiros se estrepassem.

- Ou então era alguma maldição. A maaaaldição do rock’n’roooooll - brincou o Nique, falando em tom sombrio e tirando risos dos demais topetudos.

- Viva depressa, morra jovem e tenha um cadáver com boa aparência... - soltou o Duque, instigando a turma.

- Essa frase é uma puta viagem. Não quero morrer jovem, não. Quero ficar velhinho como o meu avô. O James Dean curtia esse papo aí, mas no fim não deve ter conseguido um cadáver de aparência muito boa, não - retrucou o Morcegão, acrescentando mais um elemento para a conversa animada que nos acompanhava enquanto saíamos do shopping.

Na rua, a turma se dispersou, andando sem pressa pela avenida. Entregue aos meus pensamentos, caminhava mais atrás, à frente apenas do BB. Depois de percorrer um curto trecho de calçada, iniciamos a travessia da sempre movimentada passarela sobre a avenida Eusébio Matoso.

Queixo erguido, olhos observadores e cigarro pendendo no canto da boca, o BB se aproximou e colocou a mão esquerda sobre o meu ombro. Em seguida, segurou o cigarro com o indicador e o dedo médio da outra mão e soltou uma baforada de fumaça para o alto. Depois, virando-se para mim, disse com ar sábio: - Rock’n’roll, Claudinho, rock’n’roll...

Concordei com um meneio de cabeça, sem dizer nada. Ali, no alto da passarela, acima do nível convencional das ruas, sentíamo-nos simplesmente como os senhores de Sampa. Os senhores roqueiros de Sampa.

Blackboard Jungle


Olá, amigos! Como o cinema continua em pauta no blog, resolvi abordar nesse post outra obra fundamental dentro da filmografia rock’n’roll. Trata-se de The Blackboard Jungle, que ganhou no Brasil o nome de Sementes da Violência. Produzido em 1955, com direção de Richard Brooks e estrelado por Glenn Ford, o filme da Metro-Goldwin-Mayer contava na trilha sonora com a versão de Bill Halley para a música Rock Around The Clock, catapultada na ocasião ao posto de primeiro hit da história do rock.
Conforme explica o crítico musical Roberto Muggiati, na revista História do Rock, editada no fim da década de 80 pela editora Três, Sementes da Violência foi o filme que expôs de modo mais didático toda a hostilidade no relacionamento da juventude marginalizada com o Sistema nos Estados Unidos do pós-guerra. Além disso, compõe ao lado de O Selvagem (The Wild One), estrelado por Marlon Brando, e Juventude Transviada (Rebel Without a Cause), estrelado por James Dean, a filmografia essencial para quem deseja compreender os 50's.
Quem quiser conhecer um pouco mais sobre esse importante filme pode conferir o vídeo com o trailer original da obra que está disponível no YouTube.