quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Uma desagradável surpresa (Capítulo 9)

Faltavam menos de cinco minutos para o início do dia letivo. No corredor que conduzia à sala da oitava série, alguns estudantes aproveitavam para colocar a conversa em dia, recostados nas paredes brancas ou apoiados nos batentes das portas existentes pelo caminho. Eram quase todos meninos, imersos em acalorados debates sobre os resultados da rodada de meio de semana do Brasileirão. O burburinho era maior diante da entrada da oitava série, localizada justamente no final do corredor. “Ué, o que será que aconteceu pra galera estar tão agitada?”, me perguntava, enquanto percorria os últimos metros antes de chegar à classe em que estudava. A resposta, no entanto, não demorou muito a me alcançar, pois, assim que me viu, o Nasser correu ao meu encontro.

- Você não vai acreditar no que escreveram no fundo da classe - disse o garoto, observado pelo restante dos meninos que se aglomeravam diante da porta.

- O que foi? - questionei, desconfiado diante da maneira com que meu amigo me abordara.

- Alguém escreveu na parede uma frase te xingando.

- Como é? Quem pode ter feito isso? - falei, estancando no meio do corredor e lançando um olhar de surpresa para meu prestativo amigo. Mas, antes que ele pudesse dar qualquer resposta, retomei a caminhada rumo à sala de aula, substituindo as passadas preguiçosas que me conduziam instantes antes por passos decididos, estimulados pela ânsia de confirmar a informação recém-passada pelo Nasser, cujos pés se moviam na mesma velocidade que os meus, me acompanhando no trecho final do corredor. Quando chegamos à porta da classe, o grupo prontamente abriu caminho para que passássemos. Os jovens olhos dos rapazes acompanhavam meus movimentos com atenção, aguardando o desfecho da situação.

As enormes letras escritas em verde sobre a parede branca saltaram diante dos meus olhos assim que passei pelo amontoado de estudantes parado na porta da sala de aula. Minhas sobrancelhas se franziram e meu semblante foi tomado por um ar grave. Diante de mim, duas palavras redigidas em letras maiúsculas pouco caprichadas compunham uma curta frase: “ROCKABILLY CUZÃO”.

Uma dose de mágoa se apoderou do meu peito. Logo, no entanto, esse sentimento cedeu espaço para uma intensa indignação, fazendo com que um arrepio de raiva descesse por minha coluna. “Não acredito nisso. Quem pode ser o retardado que escreveu essa merda?”, me indaguei, indignado com a ofensa e imaginando quem poderia ser o autor da frase. “Isso é coisa do Ronaldo e daquele bando de zélão que anda com ele. Esses caras já tão passando do limite”, concluí, dispensando qualquer investigação para eleger o culpado.

- Ah, isso não vai ficar barato, não vai, não - falei baixinho, mais indignado do que magoado.

- Porra, estudo aqui desde a primeira série e nunca vi uma coisa dessas - disse o Nasser, com os olhos ainda fixos nas ofensivas e anônimas palavras. Em seguida, uma voz de menina sentenciou: - Não liga, não, Claudinho. Quem escreveu isso é um puta babaca. - Imediatamente reconheci a dona da voz. Era a Marília, que tentava emprestar um pouco de sabedoria feminina para o beligerante universo masculino. Virei primeiro minha cabeça e depois todo meu corpo na direção de onde viera a voz. A Marília estava sentada numa carteira à minha esquerda, lá na frente, bem no início da classe.

- Não esquenta com isso, Claudinho. É despeito - reforçou a garota, sempre sincera e direta.

- Não sei, não, Marília. A coisa tá passando do limite - respondi, sem atender à recomendação da colega de classe. Afinal, era muito difícil ficar impassível à ofensa estampada diante de toda sala. Além disso, apesar de ser uma garota inteligente, a Marília não podia compreender a dimensão que aquelas palavras tomavam no universo masculino.

- Por que você não reclama com a direção? - sugeriu a Camila, também querendo apresentar uma solução para o problema. Infelizmente, ao menos para mim, aquela era uma saída inconcebível. Recorrer à diretora seria a desmoralização completa.

O estridente toque do sinal foi seguido pela imediata chegada da professora de língua portuguesa. Isso fez com que os rapazes parados na entrada da classe se apressassem a sentar. Bem, na verdade, nem todos. Havia sempre aqueles que aguardavam até o último momento para se acomodar, em parte porque não esquentavam muito a cabeça com a aula, mas também porque sentiam um inegável prazer em desafiar os professores. Com pouco mais de quarenta anos, a professora de português, uma mulher baixa de cabelos castanhos claros e curtos, sabia levar bem a classe, alternando momentos de um certo carinho com uma inquestionável autoridade.

- Vocês estão esperando o quê? Sentem logo, temos muita coisa pra fazer - disse a educadora em tom enérgico, fazendo com que os retardatários se apressassem.

- Psora, você viu o que escreveram lá no fundo? - disse o João Paulo, enquanto se esparramava pela carteira.

- Huuum? - respondeu a professora, tirando os olhos da agenda e direcionando-os para a parede no fundo da classe. Após mirar a frase por um instante, balançou a cabeça em um gesto de desaprovação. Em seguida, voltou-se para o garoto que dera o aviso: - João, procure a faxineira e peça pra ela vir até aqui.

O garoto esperto, conhecido por misturar um jeitão extremamente extrovertido com uma acentuada religiosidade, ergueu-se rapidamente, sumindo pelo corredor. Logo depois, reapareceu, acompanhado da faxineira, uma senhora magra, de pele parda e feições simples.

- Dona Maria, por favor, limpe pra gente essa pichação na parede do fundo da classe. Pelo jeito, tem gente que não tem mais o que fazer - disse a professora, orientando a senhora recém-chegada, que, prevenida pelo João Paulo, já viera carregando uma escova e um balde cheio de água.

A aula prosseguiu, mas em poucos instantes meus pensamentos se encontraram com a gramática lecionada pela professora. O barulho da escova roçando a parede ou mergulhando no balde de água não permitia que deixasse de remoer o inesperado acontecimento daquele início de manhã.

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