terça-feira, 8 de setembro de 2009

Talibãs do rock (Capítulo 6)

Vindo ao nosso encontro, o Nique desceu rapidamente os seis degraus que separavam a porta da casa de seus pais da pequena garagem, vazia naquela hora da tarde. Sob o braço, trazia uma pilha de discos.

- Olha aí, Tieta. Vê se acha os discos que você tá procurando. Devem estar entre esses aqui. Eu não vou ficar procurando pra você, né meu? - disse o dono da casa, passando os LPs para o amigo roqueiro.

- Valeu, Nique. Eu quero achar aquele do Cramps, o primeiro do Stray Cats e mais alguns aí pra gravar uma fita pra Pimentinha - emendou o Tieta, acolhendo os discos entre as mãos e se alojando sobre o degrau inicial da escada para realizar a seleção.

Além do anfitrião e do Tieta, estávamos em mais quatro pessoas: eu, o Demente, o Morcegão e o Wilson. Apesar de morar na casa ao lado, o Júnior Neguinho estava ausente.

- Esta hora, o Neguinho deve estar andando pela Faria Lima, rodando um envelope na ponta do dedo - comentou o Morcegão.

- Ou então tá enfurnado num fliperama, matando o trampo. Office-boy adora essas merdas dessas máquinas - destacou o Wilson, sentado sobre a lajota fria que revestia o piso, com as costas apoiadas numa das paredes da garagem.

- Porra, não é assim, não. O Neguinho dá um trampo danado. De manhã cedo ele vai pendurado no busão até o trabalho, lá em Pinheiros. Anda pela cidade o dia todo, levando envelope pra cima e pra baixo, e à noite ainda vai pra escola. Não é moleza, não - defendeu o Nique.

- Ah, mas pode ter certeza que pelo menos umas duas partidas de fliperama ele joga todo dia - argumentou o Wilson, defendendo seu ponto de vista.

- É, talvez, sei lá - desistiu o Nique, enquanto eu achava uma brecha pra contar minha experiência no assunto.

- Eu também já fui office-boy - disse orgulhoso, sem esperar a enxurrada de críticas que viria em seguida.

- Conta outra, Claudinho. Você é mó playboy, nunca viu um trampo na frente - me desancou o Demente.

- Mentira, já trampei sim, quando eu e o meu irmão ficamos de recuperação, uns dois anos atrás. Meu pai fez a gente trabalhar de office-boy, cada um pra um tio.

- Assim não vale, é trampinho café com leite, com o titio riquinho.

- Se liga, zélão. Andava o Centrão todo pagando contas pro meu tio, levando documentos e encarando fila de banco.

- Não boto fé, não. Você é mó pleibas.

- Foram só dois meses e meio, durante as férias, mas que eu trampei, trampei.

O debate teria durado mais um bom tempo caso o Tieta não tivesse feito uma importante descoberta em meio aos discos emprestados pelo Nique.

- Porra, Nique, que droga é essa aqui?! Um disco do Bon Jovi.

- Caralho, ninguém nasce rockabilly. Eu já escutei outras coisas e você também, que eu te conheço faz uma eternidade - defendeu-se o Nique.

- Mas Bon Jovi, música de cabeludo perobo!?

- Passa essa porcaria pra cá - falou o Nique, irritado, pegando o disco das mãos do Tieta. - Quer saber... - continuou o anfitrião, lançando um olhar oblíquo pro resto da turma - eu quero que esses cabeludos de boutique se fodam.

As mãos ágeis do garoto arrancaram a bolacha de vinil de dentro da embalagem de papelão, que, aliás, foi arremessada a metros de distância. Em seguida, as duas mãos seguraram com firmeza o disco e o conduziram de encontro ao joelho do topetudo. A joelhada quebrou o LP em vários pedaços, que espalharam-se pelo piso da garagem, provocando gritos de regozijo entre a turma de rockabillies. O Nique, no entanto, ainda não estava satisfeito. Por esse motivo, os saltos de suas botas esmigalharam vários dos pedaços que enfeitavam o chão.

- Animaaal, é isso aí, Nique - comemorou o Demente.

- Espera aí, que eu já volto - bradou o garoto, subindo a escada e sumindo dentro da casa.

- Caralho, o que ele foi fazer? - perguntou o Morcegão, enquanto nos entreolhávamos, ansiosos pelo retorno do nosso companheiro.

Não demorou muito para que ele surgisse, trazendo uma nova leva de discos sob o braço.

- Achei mais uns pra gente detonar. Tieta, qual você quer: Kiss, Titãs, Iron Maiden, Paralamas ou Queen?

- Passa o Iron Maiden pra cá - respondeu prontamente o rapaz que havia acendido o estopim da turma.

- Eu já volto, vou pegar mais alguns lá em casa - se apressou em dizer o Morcegão, correndo até o sobrado em que morava na mesma rua e reaparecendo pouco depois com mais discos.

- Olha aqui, achei um do Information Society, um do Legião, um do Noel, um do Zigue Zigue Sputnik, um do Roberto Carlos e até o internacional da novela Vale Tudo. Também tem uma fita do Oingo Boingo e outra do Pet Shop Boys.

- Esse do Roberto Carlos não é do seu pai, não? - indaguei preocupado com a possibilidade de nosso momento de catarse vitimar a propriedade de outras pessoas.

- Bem, e se for, o que é que tem? O Morcego só vai estar fazendo bem pro pai dele - filosofou o Wilson, com a pronta aprovação do Morcegão.

- Tá bom, então deixa eu pegar o Information Society - concordei, ansioso pelo momento de despedaçar um dos LPs. Grunhindo como homens da caverna, em poucos instantes destroçamos todos os discos, forrando o piso da garagem com pequenos cacos pretos. E mesmo depois de tudo destruído, continuamos entoando, no limite da garganta, um mantra ensandecido que faria corar de inveja qualquer fanático religioso: - Rock’n’roll, rock’n’roll!!!

2 comentários:

  1. Olha vcs fizeram a maior cagada de suas vidas! Ao invéz de quebrar esses vinis poderiam ter vendido eles pois renderiam uma grana boa pra rolar num fim de semana rocker, mas não! Tinha que quebrar! Mas é assim mesmo, adolescente costuma ser um tanto intolerante mesmo.

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  2. Haha, é verdade Carlos!!! A garotada costuma ser bastante impulsiva!!! Valeu a contribuição aqui no blog. Abraço,
    Pedro

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