Eram quase dez horas quando parei diante do sobrado em que morava o Wilsão. A casa de frente estreita, separada da rua por um portão baixo, era pintada em um tom claro de amarelo e geminada com duas construções do mesmo tipo. Como sabia que a campainha estava desativada, apoiei os discos no muro que dividia as casas e resolvi chamá-lo à moda antiga. As palmas das minhas mãos se chocaram com força meia dúzia de vezes, sendo seguidas por um alto assobio.
Um curto período de silêncio se seguiu até que a cortina da janela da sala se abrisse.
- Oi, Claudinho! - falou o Vagner, irmão mais novo do Wilson, colocando a cabeça pra fora da janela.
- Oi. Seu irmão está?
- Espera aí, vou ver - disse o garoto, antes de sumir dentro da casa.
Sentei-me na calçada com as costas apoiadas no portão de ferro e as pernas dobradas. Sem ter o que fazer enquanto esperava, levei minha mão direita até uma folha seca de eucalipto caída sobre o chão áspero do calçamento. Comecei a despedaçá-la, lentamente, acompanhando sempre as fibras da folha. Quando restavam apenas pequenos pedaços, depositei-os na palma da mão esquerda e atirei-os sobre a calçada, como se fosse um punhado de confetes.
O barulho do motor de um Gol prateado, que despontava a grande velocidade no início da rua, chamou minha atenção. Meus olhos acompanharam a aproximação do automóvel e depois viram ele sumir no final da via. “Caramba, isso lá é velocidade pra uma ruazinha estreita como essa?”
- Tá dormindo, Claudinho? - falou o Wilsão aparecendo na porta.
- Se liga. Não sou mendigo pra ficar dormindo na rua - retruquei, virando a cabeça para o lado da porta.
- Será que não, hein? - provocou meu amigo, antes de começar a descer a pequena escada que levava ao portão da casa.
Levantei-me apoiando uma das mãos na grade do portão. O Wilsão saiu logo depois, vindo me cumprimentar. A palma de minha mão direita escorreu rapidamente sobre a dele, em seguida meu braço se encolheu alguns centímetros e a minha mão se fechou, voltando para encontrar o punho do Wilson e encerrar a tradicional saudação da turma.
- Legal, você trouxe os discos. Vamos ver o que vai pegar nessas festas de hoje.
- É, peguei uns oito discos. Acho que o Nique e o Duque também vão levar alguns.
Andamos um pequeno trecho e viramos à esquerda na esquina seguinte, tomando o rumo da casa do Tieta, um quarteirão e meio adiante.
- E aquele colégio que você estuda como é que tá? A playboizada da Granja ainda tá enchendo o saco?
- Não, agora tá mais calmo, alguns folgados saíram da escola. Mas você precisa ver as minas que entraram lá nesse começo de ano, uma mais gata que a outra.
- É? Na sua classe?
- Não, na oitava, cada gata. Tem até uma que parece que frequentava a House, mas eu não lembro dela lá não.
- Poperôzinha?
- É, mais ou menos, mas é bem bonita, tem um corpão, gostosa pra caramba. Só que ainda não é minha amiga, nunca falei com ela.
- Deixa de ser devagar, Claudinho. Você é muito tímido.
- É meu jeito, fazer o quê? - respondi, incomodado com a constatação, assim que chegamos à casa do Tieta. Também um sobrado, a residência se diferia em alguns aspectos da que visitara pouco tempo antes. O primeiro piso da casa, geminada de apenas um lado, ficava bem acima do nível da rua, enquanto a entrada era repleta de plantas e flores, um gosto que a mãe do Tieta cultivava há bastante tempo.
- Tietaaa - gritou o Wilson assim que paramos em frente à casa. Nosso amigo apareceu na janela do quarto, no andar superior da casa.
- Porraaa, vocês demoraram, hein?
- O Wilson que tava enrolado - cutuquei.
- Tava brigando com o cabelo, é? Claudinho, você sabia que o cabelo do Wilson é tão duro que ele precisa fazer musculação pra pentear? - mexeu o Tieta com um sorrisão no rosto, feliz por dar início a mais uma sessão de provocações.
- Vaaai se foder! Seu cabelo não é muito melhor, não - respondeu o Wilson com tom de pouco caso, enquanto nos divertíamos com a sua irritação.
- Haha, já vou descer - disse o Tieta, desaparecendo da janela.
Instantes depois, já seguíamos rumo à casa do Nique, onde encontraríamos o resto da turma. Caminhávamos pela pista, desconsiderando a existência da calçada.
- E a Gator’s sai ou não sai? - perguntei aos rapazes, referindo-me a um assunto bastante em pauta naquele início de ano. Como já acontecia entre rockabillies de outras regiões da cidade, queríamos criar uma identidade própria para a nossa turma. O nome para o grupo estava definido: Gator’s. Além de homenagear Bill Halley, um dos pais do rock’n’roll, responsável por celebrizar a canção “See you later alligator”, a designação seguia a tendência de escolher animais como símbolo para as turmas. Pelas ruas de São Paulo já circulava o pessoal da The Ratz e na vizinha Taboão da Serra existia a Fox Billy.
- Vai sair sim, só temos que reunir a turma toda e acertar os detalhes - respondeu o Tieta, deixando o ar bonachão e assumindo uma postura mais grave.
- O que tá difícil é sair essa reunião. A gente tem que agitar isso logo - ressaltou o Wilson.
- Mas o que tá faltando? - indaguei novamente.
O Wilson estacou por um momento. Seu rosto magro assumiu uma expressão pensativa antes que ele virasse a cabeça em minha direção e começasse a falar: - Temos que escolher o desenho para o estandarte da turma e mandar fazer a tela para pintar as camisetas. O Fernandinho trouxe um desenho legal, tem que ver se o pessoal aprova.
- É, se todo mundo estiver por aí, podemos até conversar hoje mesmo - sugeriu o Tieta.
Balancei a cabeça concordando, enquanto retomávamos a caminhada. As ruas do bairro, predominantemente residencial, estavam tranquilas. Luzes azuladas avançavam sem força pelas janelas de muitas casas, onde pessoas refasteladas em sofás acompanhavam a chocha programação televisiva das noites de sábado. Vez ou outra, um carro passava por nós, clareando com seus faróis as vias mal iluminadas.
Muito bom o seu blog :D
ResponderExcluirQuando der venha visitar o meu blog e fique a vontade para ser meu seguidor.
Ficarei muito feliz ^.^
http://cha-com-cupcakes.blogspot.com
Bjs
Como vai meu rocker favorito?? rsrs
ResponderExcluirbjs
Olá, Monike! Fico feliz que tenha gostado do Aventuras de um rockabilly. E pode deixar que vou visitar seu blog.
ResponderExcluirOi, Mademoiselle! É bom vê-la sempre presente aqui nestas nostálgicas páginas, rsrs! E parabéns pelos seus blogs. Estão bem interessantes também.
Valeu o apoio!!!
Abs