terça-feira, 2 de março de 2010

Um domingo especial (Cap. 12/Parte 2)

Depois de um bom tempo zanzando pela pista de dança do piso superior, resolvemos descer no momento em que teve início uma sessão de músicas românticas. Escutar Trace Chapmam, afinal, era demais para os nossos ouvidos roqueiros. Eu liderava o pequeno grupo, seguido pelo Supondo, o Wilson e o Morcegão. Quando estávamos no meio da escadaria que levava ao térreo, meu olhar se deparou com uma linda garota vindo no sentido contrário. Louros cabelos encaracolados emolduravam o rosto claro, enfeitado por bochechas rosadas, olhos acastanhados e lábios finos e delicados, que formavam um sorriso discreto e extremamente simpático. Bem proporcionado, o corpo se movia com delicadeza e cheio de feminilidade. “Nossa, que gata!!!”, pensei, sem conseguir desgrudar os olhos da formosa menina.

Para minha surpresa, no entanto, ela e a amiga que a acompanhava pararam logo após passarem por mim para cumprimentar o Wilson e o Morcegão. Visivelmente satisfeitos com o fortuito encontro, os dois rapazes fizeram um sinal pedindo para que eu os esperasse. “Puts, nessa eu não acredito! De onde será que os caras conhecem essa gata?”, me perguntava, encantado pela beleza da menina.
Após trocarem beijinhos e baterem um rápido papo com as garotas, meus dois amigos reiniciaram a descida, enquanto eu e o Supondo os esperávamos alguns degraus abaixo, atrapalhando o trânsito.

- Pô, quem é aquela mina? Que gata!!!

- É a Carol, ela é lá do bairro, uma daquelas minas que eu te falei - explicou o Wilsão.

- Gostei, vocês têm que convidar mais minas desse naipe - brinquei, antes de voltar a descer a escada.

- Se liga, Claudinho, essa não é pro seu bico não.

- Então é pro bico de quem? Pro seu?

- Exatamente, exatamente - concluiu o Wilson em tom de gozação.

Naquele instante, o movimento já era grande no térreo. Praticamente toda turma rockabilly estava por ali. O DJ, contudo, permanecia tocando um rock mais moderno. Naquele exato instante, o som do Oingo Boingo substituía a música dos ingleses do Queen nas caixas espalhadas ao redor da pista. Mas não demorou muito para que a sessão realmente roqueira tivesse início, em grande estilo, com “Cry, cry, cry”, um dos grandes sucessos de Johnny Cash, conhecido por seu ritmo forte como um trem e cortante como uma navalha.

A música tocou primeiro meus ouvidos, a seguir penetrou em meu cérebro, desceu por minha coluna através de uma descarga de energia e se espalhou por meu corpo, ocupando espaço em todos os membros e alterando também a expressão do meu rosto. Como um Incrível Hulk de topete, sentia os acordes da música me transformarem. Já não era mais o garoto baixo, de um metro e sessenta e oito de altura, tampouco continuava a ser o dono de um magro corpo de cinquenta e cinco quilos. Sentia-me mais forte, confiante e dançava com uma energia inabalável, deixando toda timidez de lado. Ao som do bom e velho rock’n’roll, podia enfrentar qualquer temor, qualquer perigo, qualquer adversário.

A alegria transbordava da pista de dança. Dezenas de garotos e garotas se amontoavam para acompanhar o informal espetáculo apresentado por nosso grupo de roqueiros, cujos pés moviam-se sem parar, embalados pelos básicos acordes do rockabilly. Até o Supondo, que uma vez ganhara um concurso de break numa festa escolar anos antes, redescobrira o prazer de dançar e movia-se - ainda desajeitado, mas com muito entusiasmo - em um canto do salão. Durante aquela breve sessão de músicas, deixávamos de ser simples garotos do subúrbio, esmagados pela imensidão e indiferença da cidade grande, para tornar-nos especiais, capazes de dançar como mais ninguém em Sampa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário